Para quê ser um mero diamante se posso ser uma bela concha do mar?

Os meus olhos passeiam através da multidão e eu só vejo diamantes, sim, muitos de vocês tendem a dizer que o são, e realmente até são e que belos diamantes que eu vejo. 

   No meio da multidão lá estou eu e ao olhar para mim não vêm um belo diamante, até porque eu não passo de uma mera concha do mar e vocês perguntam-me: “Para quê ser uma mera concha do mar se posso ser um belo diamante?”

   Eu olho para vocês e mantenho-me intacta, seja como fôr tenho sempre algo a dizer. E sim, eu não passo de uma mera concha do mar que é tocada pelos pés sujos da multidão, mas são pés de trabalho, são pés humildes e de muita sabedoria, enquanto vocês diamantes são tocados pelas mãos mais “lavadas” com água de colónia, mas digo-vos já, não passam das mão mais sujas, mais egocêntricas, mais ambiciosas, soberbas e presunçosas. Vocês são admirados pela experiência, enquanto eu como concha sou admirada pela alegria e inocência de uma criança que me pega com jeito para construir o seu castelo de areia. Vocês estão fechados a sete chaves em cofres bem escondidos, enquanto eu respiro a liberdade no lugar que mais adoro, o mar, eu respiro a sua suavidade, eu sinto a sua bela bravura e a sua linda calma, enquanto vocês estão eternamente no escuro à espera que alguém vos coloque ao peito para mais uma vez mostrarem a ambição e esse terrível e obsessivo poder de posse. E continuam a sentir-se otimamente por serem belos diamantes. Vocês não se quebram e eu por vezes acabo por ser quebrada mas essa quebra não me faz desaparecer, continuo a ser uma concha livre no mar. 

  Eu tenho as mais variadas formas e continuo a ser apreciada, por ser um ato da pura natureza. Eu sou livre, conheço o mundo e as pessoas e adoro conhece-las, pois só conheço pessoas de bom coração, humildes e de mãos sujas do trabalho mas limpas de egoísmo e de superioridade, eu conheço as mais variadas multidões, as mais simples e mais honestas, que embora diferentes de mim não passam de conchas tal como eu.

  E eu agora pergunto: Para quê ser um mero diamante se posso ser uma bela concha do mar? 

  Catarina'Azevedo